domingo, 6 de janeiro de 2013

Que nem bolacha, em todo canto se acha



Colegas de todos os paladares

A semana que terminou, começou como uma semana qualquer, com aqueles ares de normalidade. No início da noite de terça-feira minha esposa foi me buscar no meu trabalho e, enquanto retornávamos para casa, aproveitamos para passar numa padaria para comprar uns pães, uma dessas atividades corriqueiras na vida dos pobres mortais. Tomamos o caminho do bairro da Pajuçara e fomos direto à Padaria Alteza, onde compramos os tais pães e uma preciosidade somente lá encontrada e em muitos lugares imitada, as Bolachas Mimosas. Sabe aqueles produtos que têm a capacidade de nos fazer lembrar de alguém? Pois bem, essas bolachas sempre me lembram meu pai. Como sou do interior, lembro-me que, sempre que papai vinha à capital comprava um saco dessas bolachas às quais muito apreciávamos.

A bolacha faz parte do hábito alimentar do nordestino desde épocas bem remotas. Quando Sua Majestade Imperial, o Imperador Dom Pedro II visitou o sertão nordestino, subindo o Rio São Francisco para conhecer a Cachoeira de Paulo Afonso, o mesmo escreveu no seu diário que, durante a ceia ocorrida em uma das fazendas onde ele pernoitou, comeu apenas bolachas porque não havia pães. Como estes últimos se estragavam com mais facilidade as bolachas tinham a preferência da população dos rincões mais distantes do país.

Tia Albertina conta que nos idos de 1930 ela foi morar no Sítio Caboré, na casa da minha bisavó Maria Rodrigues Gaia, Vovó "Dindinha". Naquela época, Tio "Badé" era solteiro, morava com os pais e cabia a ele a missão de ir semanalmente à feira em Olho D'Água das Flores. Quando Tio "Badé" partia, ela ficava ansiosa pela sua chegada.

 - “Porque ele trazia cocada e bolachão. Essas coisas que menino gosta”.

Quando eu era menino, o grande sucesso eram as Bolachas Sete Capas, mas eu também comi muitas vezes um bolachão que a gente chamava de "Mata Fome". O tal biscoito tinha um cheiro que a meninada dizia ser cheiro de xixi que era provocado pelo uso de amoníaco na sua fabricação. Mas, com cheiro ou sem cheiro, o produto era barato e por isso muito comercializado. Quando os biscoitos industrializados começaram a chegar ao sertão, vinham inicialmente embalados em latas coloridas, muito bonitas e, posteriormente, em embalagem de um papelão especial. Vinham do Recife e eram fabricados na Confeitaria Confiança, que eu ainda cheguei a conhecer na Rua da Imperatriz. Mas, foi o surgimento dos biscoitos Cream Cracker, Maria e Maizena que colocaram na defensiva a produção local das padarias. O proprietário de uma panificadora próxima à minha casa falou com saudosismo do tempo em que ele só vendia as bolachas que ele mesmo produzia. Convém ressaltar que a autêntica bolacha ficava exposta à venda num balaio, a granel, e o cliente pedia a quantidade desejada que era então pesada na hora. Neste ponto, vale o elogio à Padaria Alteza, lá da Pajuçara, que se mantém original, tanto no que diz respeito à qualidade do produto como na forma de comercialização.

Num período mais recente da minha vida, quando vivi quase um ano em terras cariocas, pude perceber a importância que tem a bolacha como elemento marcante da cultura nordestina. Na maior parte do Brasil o produto é chamado de biscoito, mas no nordeste é bolacha. Em terras gauchas, onde também se adota idêntica nomenclatura para o produto, a pronúncia usada é BOLACHA, assim com a letra "O" com som aberto. No nordeste nós dizemos "BULACHA", pronunciando a letra "O" com o som ultra-fechado, de modo que a 4ª vogal adota o som da vogal seguinte, ou seja, o som da letra "U".

No nordeste existe até um ditado que diz: "Aquilo é como bolacha, em todo canto se acha". Durante o meu exílio na cidade maravilhosa, quando eu ia às padarias do bairro onde morava, além dos pães, é lógico, e de bolos muito bem feitos, eu achava uma variedade tão grande de torradas que eu ficava admirado com a imaginação do padeiro. Porém, uma bolachinha sequer, lá não se achava. Digo, haviam aqueles biscoitos industrializados, com sal, sem sal, light, diet, com fibras, com sabor de cebola, queijo, alho, etc. etc. O produto vinha naquelas embalagens de plástico nas mais variadas cores e com aquela fitinha com a indicação de "puxe para abrir" que mais parece uma carteira de cigarros. Mas, BOLACHAS, dessas feitas nas padarias, só achei quando visitei o enclave nordestino da feira de São Cristóvão.

E foi nesta semana, que começou com este simples caeté comprando bolachas para comer com uma xícara de café, que terminou com uma histórica operação policial. Lá pras bandas das terras cariocas, a tropa de elite da vida real entrou na Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão, para dar umas boas e merecidas "bolachas" no crime organizado.

Meus caros amigos, espero sinceramente que os acontecimentos recentes no Rio de Janeiro não se limitem a uma operação policial. Espero que a ação tenha continuidade com a prestação aos cidadãos dos serviços necessários ao usufruto de uma vida digna a todos. Mas, diante das imagens divulgadas pela grande imprensa, não posso deixar de me preocupar com a segurança de todos os amigos que deixei naquela bela cidade. Espero que a semana que se inicia seja para todos de volta a mais perfeita normalidade.

Saúde, luz e paz... Muita paz

Virgílio Agra

PS: Há uns dias atrás fui a Padaria Alteza para comprar as Bolachas Mimosas e encontrei um novo estabelecimento, todo reformado com um “desaine” moderno. Procurei as bolachas e não vi o seu balaio, só as encontrei previamente embaladas em sacos plásticos, com aquela etiqueta colante com um código de barras. Para não dar a viagem perdida comprei um pacotinho, provei e pude constatar que o seu sabor não passou por qualquer reforma, mas o seu encanto, infelizmente, perdeu-se com a modernidade.

(Escrito em 29/11/2010)

Um comentário:

Anônimo disse...

Como vou postar um comentario se não têm nem uma receita.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...