segunda-feira, 5 de março de 2012

Aos amigos, o bom exemplo da lei

Euclides Ribeiro
(escrito em 05/05/2009)

Colegas dos matos, de todos os diâmetros.

“Aos amigos a lei, aos inimigos os rigores da lei”. Qual dos filhos desta pátria mãe gentil nunca ouviu esta frase forjada na nossa crônica política?

Eis que no final de semana que passou, viajei às terras baianas de Paulo Afonso, a capital da energia. Resolvi aproveitar o feriadão do dia do trabalhador e comemorar, antecipadamente, o dia das mães. Entre uma conversa e outra, e ao sabor daquela comida gostosa que só as mães sabem fazer, lembrei-me de um velho amigo, melhor seria dizer... um irmão, Euclides Ribeiro, um sujeito cuja história é um exemplo para os amigos e até mesmo para os inimigos.

Nascido na Paraíba em 1920, sendo, portanto, paraibano e não “paraíba”, Euclides é uma das pessoas mais íntegras que tive a oportunidade de conhecer. Devido a sua extrema retidão colecionou muitos admiradores declarados e muitos desafetos enrustidos, daqueles que ruminam calado o seu descontentamento, porque sabem que nunca faltará alguém disposto a defender um homem digno.

Filho de família humilde Euclides teve que sair de casa cedo e, através das suas andanças, terminou ingressando para os quadros da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, empresa em que trabalhou com méritos até o dia da sua aposentadoria. Em 1988 foi nomeado Secretário Municipal da Prefeitura de Paulo Afonso, cargo que exerceu por 12 anos. Durante sua gestão à frente da Secretaria de Serviços Urbanos notabilizou-se por tomar atitudes firmes e acima de tudo honestas. Dentre as suas atribuições coube a implantação do Código de Postura Municipal que regulamentava, dentre outras coisas, a atividade de transporte em veículos de tração animal, bem como a criação na zona urbana dos animais usados naquela atividade.

Como é comum em inúmeras cidades deste grande país, lá em Paulo Afonso muitas famílias sobrevivem da atividade de transporte de pequenas cargas em carroças puxadas a cavalos ou burros. Infelizmente, muitos desses carroceiros não dão aos seus animais um tratamento adequado. Após o dia de serviço, alguns proprietários, ao invés de servir aos seus animais uma boa ração, simplesmente os solta para que os bichinhos saiam catando durante a noite alguma coisa para comer, contando com a própria sorte. Além de ser desumana, esta atitude submete os animais ao risco de atropelamentos. Além do que eles, na ânsia por alimentar-se, muitas vezes danificam parques e jardins. É óbvio que o estabelecimento de uma norma que visasse conciliar a sobrevivência de várias famílias, o bom trato aos animais e a preservação do patrimônio, tanto público como o privado, permitia vislumbrar a gestão de muitos conflitos. Ciente disto, Euclides Ribeiro primeiro certificou-se do Prefeito se de fato pretendia fazer com que fosse cumprida a lei. Diante da resposta afirmativa iniciou um programa de fiscalização que conseqüentemente envolvia a apreensão dos animais encontrados à solta. Nestas circunstâncias, eles eram conduzidos para um cercado de propriedade da prefeitura onde passavam a receber um tratamento mais adequado, sendo devolvidos aos respectivos donos mediante o pagamento da devida multa pela infração cometida. Logo nos primeiros dias, começou a chegar ao seu gabinete uma série de pessoas, cujos animais haviam sido apreendidos, portando "bilhetinhos" assinados por vereadores, correligionários políticos e similares. Ao ler os tais "bilhetinhos" Euclides calmamente escrevia no verso uma mensagem destinada ao emitente nos seguintes termos:

"Senhor "Fulano" queira por gentileza enviar quantia "tal" que a guia de liberação será emitida."

Curiosamente nenhum daqueles que escreveu os tais bilhetinhos foi capaz de fazer caridade com os recursos do seu próprio bolso.

Um belo dia, estava Euclides Ribeiro no seu local de trabalho quando entrou um rapaz para falar com ele. Tratava-se de um funcionário graduado de uma importante instituição sediada em Paulo Afonso. O assunto que o trazia... vocês bem podem imaginar. O cidadão que o procurava tinha, digamos assim, a melhor das intenções. O proprietário de um burro apreendido pela prefeitura resolveu apadrinhar-se dele para reaver seu animal livrando-se da tal multa. Sensibilizado com a situação do carroceiro, que realmente dependia do animal para garantir o seu sustento, o rapaz fora à Prefeitura para tentar a sua liberação. O Secretário conhecia-o muito bem e sabia que ele estava lá por uma razão meramente humanitária, não tendo nenhuma pretensão de usufruir de alguma vantagem política. Acontece que a liberação do animal sem o devido recolhimento da multa aos cofres públicos abriria um grave precedente. Diante desta situação, Euclides Ribeiro pensou rápido e encontrou uma solução que com certeza conciliaria o desejo de atender ao pedido de um amigo com o devido cumprimento da lei. Então disse:

- Pois não meu amigo, não posso lhe negar um pedido

Meteu a mão no bolso, pagou a taxa e entregou na mão do jovem atônito a respectiva Guia de Liberação, mostrando que amizade e legalidade podem harmonizar-se muito bem.

Eu poderia ter usado este espaço para contar a vida de mais um garoto pobre, que com 47 anos não tinha sequer o curso primário completo e que conseguiu um Diploma do Curso Superior de Administração, mas, mais importante que as lições escolares que ele aprendeu, é a lição de vida e de honradez que ele nos dá.

Lamentavelmente, enquanto eu estava no sertão baiano a chuva caia forte na capital caeté. Parece que desta vez, Maceió, também conhecida como o Paraíso das Águas, teve que mudar para a classificação de purgatório. Mas, felizmente, meu bairro não sofreu com as chuvas e o sol voltou a brilhar na cidade toda.

Desejo a todos uma ótima semana de trabalho.

Saúde e paz,

Virgílio Agra
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